Uma das minhas obras preferidas, a leitura do conto “A dama do cachorrinho” de Anton Tchekhov provocou em mim profundas impressões acerca da forma de escrever do autor. Por sua escrita concisa, simples e direta, adequada ao estilo do conto, tive a percepção de um escritor com olhar aguçado e atento à realidade que o cercava. Talvez por sua escrita quase jornalística, em que descreve os tipos característicos da época, mas também por sua obra marcada pela síntese e pela sugestão.
Matéria da Folha Online (04/07/2010) descreve o autor da seguinte maneira: “Clinicamente, como o médico praticante que foi, Tchekhov observa e anota os sintomas que ausculta no corpo social gangrenado. Não lhe cabe tomar partido, nem ceder à tentação de opinar. Sua função é coletar os dados que os sentidos apuram. Seus contos são anamneses, às vezes inconclusivas.”
No conto, o que mais me chamou a atenção foi a construção do relacionamento amoroso entre Guróv e Anna, que se inicia com um envolvimento passageiro, reflexo de como Guróv via as mulheres, como raça inferior. Além do que, tinha para si que a aproximação com elas era uma mera aventura, que depois se convertia em um verdadeiro problema. Porém, é necessário perceber que após o encontro com Anna, Gúrov habituado a trair a mulher sem se envolver com seus casos, mudou da água para o vinho quando encontrou sua dama, vivendo uma paixão verdadeira, coisa que ele nunca tinha vivido.
Indo, talvez, longe na minha necessidade de justificar esse comportamento da sua personagem, fui buscar na história do próprio autor as origens desse sentimento em relação às mulheres. Na biografia “Anton Chekvov: A life (1997)”, do professor de literatura russa Donald Rayfield pode-se notar pontos interessantes para começar a traçar uma verossimilhança entre autor (Tchekhov) e personagem (Guróv), já que no ponto de vista do autor russo, “as relações românticas colocavam muitos obstáculos à liberdade do ser humano - homem ou mulher - e também, claro, do artista. Logo, ele só queria saber de casos leves e ligeiros, sem paixões obsessivas, sem exageros emocionais. Isso não significa que só buscasse sexo no chamado sexo frágil; ele não caía era em mitos como este. Era ciente de que a maioria das mulheres - como a maioria dos homens - confunde intimidade com intimação, esperando do parceiro uma devoção perene e perfeita, a preencher o oco alheio com a mera repetição de clichês verbais ou gestuais”.
No livro, Tchekhov chega a ser descrito como misógino*, conquistador de mulheres e que não estendia seus relacionamentos. O que poderia ser comprovado pelo fato de que somente aos 41 anos, já doente e melancólico, casou-se com a atriz Olga Knipper, vindo a falecer três anos depois. Mas, aqui faço uma ressalva de que o processo criativo não pode se restringir apenas a essa possibilidade, sendo que a criação literária transcende essa relação autor x personagem.
Destaco também o final da obra, que é um dos mais bonitos que já li: “Tinham a impressão de que mais um pouco e encontrariam a solução e, então, começaria uma vida nova e bela; todavia, em seguida, tornava-se evidente para ambos que o fim ainda estava distante e que o mais difícil e complexo apenas se iniciava. . .” Rompendo com o conto tradicional, com princípio, meio e fim, Tchekov aqui nos presenteia com um belo exemplar do conto moderno, caracterizado pelo final inconclusivo, que apenas sugere o que acontece no final, deixando para o leitor completar a história. Eu já completei a minha, e vocês?
*Aquele que tem aversão às mulheres.
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