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sábado, 18 de dezembro de 2010

"Entrevista com Edgar Allan Poe"

Entrevista com Edgar Alan Poe, sobre O corvo, publicada no Graham’s Magazine em 1848, por Peter Button Baudelaire.

1- O que inspirou o senhor a escrever O corvo?

Primeiro foi um corvo que vi voando junto à varanda da minha casa, quando eu tinha uns 20 anos... Só 15 anos depois, numa noite fria de dezembro, do ano de 1848, me veio novamente a lembrança daquele corvo...

2- Mas, tanto tempo depois, a cena continuou tão viva assim?

- Sim, como ainda o vejo agora, à sua direita.

3- É mesmo? (risos). Bom, parece que o corvo sempre viveu por aqui... Mas, enfim, como o senhor qualifica o texto O corvo? Trata-se de um conto ficcional, ou, melhor dizendo, da descrição literária de um momento de sua vida? O que é?

- O editor se referiu ao texto como um poema gótico; então, quem conhece meus textos pode considerá-lo assim. O que existe de instigante no texto é que se pode partir em várias direções como um corvo: ele percorre o mundo. Não vejo um gênero que deva ser enquadrado, como habitualmente. Ele é a matéria do mundo e ampliada por mim.

4 – Aproveitando o que o senhor disse, num trecho do poema ou conto ou como queira, está escrito: “[...] E a sossegá-lo eu repetia: É um visitante e pede abrigo. Chegando tarde, algum amigo está a bater e pede abrigo. É apenas isso e nada mais”. Então é isso? É o mundo como um amigo que lhe bate a porta e lhe pede um abrigo?

Um encontro inusitado


Decerto que aquela, era a experiência mais surreal pela qual eu tinha passado, mas o fato é que o grupo de leituras Palimpsestos recebia a visita de um ilustre escritor, que se candidatava ao posto de membro efetivo do grupo. E, naquela tarde fria de primavera em Juiz de Fora, reunidos na casa de Fabrício, todos os membros do grupo discutiam antes da chegada do candidato, como se daria esse processo. 
- Como é de conhecimento geral, o citado escritor precisa passar pelo estágio probatório! bradava Leonardo.
- Mas mesmo que o escritor em questão seja esse do qual estamos falando? eu retrucava.
- Não me importo, que seja até o Papa, mas as regras são claras e estão no Regimento Interno. Por falar nisso, você já leu o Regimento? Porque as regras ali servem para ser aplicadas! dizia Leonardo. 
Enquanto eu e Leonardo discutíamos acerca da natureza e da necessidade da entrevista, Fabrício, Ailton, Diego e Paulo davam suas opiniões e todos tentavam chegar a um acordo sobre a melhor forma de entrevistar o famoso escritor. Mas eram Cíntia e Monalisa que lembravam do inusitado da situação. 

Sobre niilistas e panteístas





   Estava concluída afinal a construção daquele prédio. Adornado com ogivas góticas, colunas jônicas e vitrais românicos. Para quem olhasse de relance, aquele bloco maciço de pedra se assemelharia com uma sinagoga. No entanto, afiando um pouco mais o olhar, o observador contemplaria uma catedral de influência jesuítica. E por fim, aos mais curiosos e ousados que adentrassem naqueles umbrais mestiços, o interior da construção se revelaria um panteão que esplende no frio e inerte mármore o vulcão canalizado das sensuais formas divinas.
  Observando, anestesiado, aquela miscelânea arquitetônica, o jovem Wasprício se virou e perguntou ao dono daquela obra que cosia em um só corpo diversos movimentos estéticos:
- Léocifer, até entendo que queiras encontrar a paz morando como um eremita nesses prados solitários, no entanto, não compreendo o motivo de mesclar formas arquitetônicas tão distintas em um só bloco.
- Tu não entendes jovem Wasprício, pois é muito novo e ainda não foste calejado pelos nocautes que a vida nos dá. Mas a pureza que tu persegues só conduz ao nada. Se querer encontrar o Absoluto como eu, deves procurar todas as experiências humanas e espirituais que puderes: só assim encontrarás a face divina.
- Tudo bem, mas consegues enxergar aquele amontoado de ruínas do outro lado daquela montanha?
 - Não.

Die Reise/ A Viagem


Die Reise

Einst gab es einen Jungen, dessen Name war Diego. Der aber wollte wissen was der Mensch ist. Viele befragte er dazu, doch niemand konnte ihm eine treffende Antwort geben. So entschied sich Diego dazu, eine Reise zu machen, um die Antwort auf seine Frage zu finden. Also ging er aus dem Süden in die Richtung der Heißländer. Dort traf er auf eine sehr schöne und nette Frau. Ihr Name war Verrücktheit. Diese wunderbare Frau war wirklich froh über die Ankunft des Jungen, und so befahl sie fünf Kühe zu opfern, um diesen besonderen Moment mit einer großen Grillparty und vielen alkoholischen Getränken zu feiern. Danach sagte sie ihm, obwohl sie betrunken war, was er von ihr hören wollte: „Der Mensch, mein Junge, braucht einen Wunsch in seinem Leben, sowie Lust und vor allem Leidenschaft“. Dies sprach sie zu ihm und noch ein paar ähnliche Dinge. Diese Antwort fand Diego interessant, aber er war nicht wirklich zufrieden mit ihr. Es war ihm nicht genug. Er dachte, dass die Menschen heute etwas wollen können, heute etwas mögen können oder sich heute in etwas verlieben können und den darauf folgenden Tag schon anders wollen, mögen oder lieben können. Diego fand diese Antwort nicht ausreichend, weil er sich nicht auf etwas Unbeständiges verlassen kann. Deswegen fuhr er nach den Kälteländern des Nordens. Als er dort ankam, traf er den Nicht Existierenden Reiter. Das Treffen war dem Reiter eine große Überraschung, jedoch zeigte er kein Gefühl der Überraschung. Eigentlich zeigte er keine Gefühle im allgemeinen. Man konnte nicht behaupten, dass er froh war, aber er war wirklich sehr höflich und hilfreich. Der Reiter antwortete also vorsichtig: „Der Mensch braucht Mathematik, Logik und Berechnung in seinem Leben“. „Aber wirklich nur das?“ fragte Diego. „Ja, natürlich, genau das und sonst nichts“. Diego aber war dies auch nicht genug. Der Mensch war für ihn viel mehr als das. Also ging er weiter seines Weges, um eine Antwort auf seine Frage zu finden...

A Viagem

Outrora havia um jovem, cujo nome era Diego. Ele queria muito saber o que é o homem. Ele perguntou para muitas pessoas, mas ninguém pode lhe dar uma resposta precisa. Então, Diego decidiu fazer uma viagem com a finalidade de descobrir a resposta para sua pergunta. Dessa forma, ele foi para o sul, na direção das terras quentes. Lá ele encontrou uma bela e simpática mulher, seu nome era Loucura. Essa mulher maravilhosa ficou realmente feliz por causa da chegada do jovem e então mandou sacrificar cinco vacas para comemorar esse momento especial, com um grande churrasco e muitas bebidas alcoólicas. Depois disso, ela lhe disse, apesar de estar bêbada, o que ele queria ouvir: “O Homem, meu jovem, precisa de desejo em sua vida, assim como prazer e, sobretudo, paixão” disse ela junto com algumas outras coisas semelhantes. Essa resposta Diego achou interessante, mas ele não ficou realmente contente com ela. Isso não foi o bastante para ele. Ele pensou que um homem poderia desejar algo hoje, poderia gostar de algo hoje ou poderia se apaixonar por algo hoje, e no dia seguinte poderia já desejar, gostar ou se apaixonar por algo diferente. E Diego não achou essa resposta suficiente, porque ele não podia confiar em algo que está sempre mudando. Por isso, ele partiu para as terras frias do norte. Quando ele chegou lá, encontrou o Cavaleiro Inexistente. O encontro foi uma grande surpresa para o cavaleiro, contudo ele não demonstrou nenhum sentimento de surpresa, na verdade, nenhum sentimento em geral. Não se pode dizer que ele estava feliz, mas ele foi realmente muito educado e solícito. O cavaleiro então respondeu prudentemente: “O homem precisa apenas de matemática, lógica e cálculo em sua vida”. “Mas realmente apenas isso?” perguntou Diego. “Sim, claro, exatamente, e nada mais”. Diego não ficou, contudo, satisfeito com isso também. O homem para ele era muito mais do que isso. Então ele continuou seu caminho, com a finalidade de encontrar uma resposta para sua pergunta...


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Ein besonderer Dank an Steffen Achenbach. Er korrigierte den Text für mich.

Um agradecimento especial a Steffen Achenbach. Ele corrigiu o texto para mim.

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Steffen Achenbach schreibt auf der folgenden Website:

Steffen Achenbach escreve no seguinte Website:

http://www.steffen-achenbach.de/

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*Nota: O texto foi escrito originalmente em alemão e depois feita a tradução para o português.

Carta ao Palimpsestos

Estimado Palimpsestos,
pelo sincero esforço dos senhores em colocardes-vos a serviço de vossos próprios pensamentos, tomo a liberdade de encaminhar-vos minhas saudações e algumas recomendações.
Agrada-me saber que meus escritos tenham sido dignos da atenção de vossas senhorias e causado grande impacto em vossos espíritos a ponto de cogitardes a possibilidade de serdes proclamados amigos do Schop. A favorável impressão que expressais acerca da temática de meu pequeno livro é uma prova de que formardes uma boa opinião da sinceridade de meu caráter e da relevância do que me aflige. Essa harmonia de pensamentos, contudo, leva-me a concluir que entre vós também se observa uma literatura decadente, essencialmente orientada para o consumo apressado e sumario de novidades e impulsionada pela busca de beneficio próprio, reconhecimento social e necessidades financeira.
Por acreditar que o estilo ambíguo, prolixo, desleal também se tornou predominante em vossa terra, e no intuito de alertar-vos quanto às armadilhas desse estilo, gostaria de deixar aqui alguns conselhos. Sejais, antes de tudo, intolerantes às obras ruins. Desmerecer o que é ruim é uma obrigação, pois não podemos destinar nosso escasso tempo de leitura a obras que definham o espírito humano. O tempo de leitura é curto e precioso, portanto, deve ser cuidadosamente reservado para o que é bom. É justamente isto que quero dizer em Sobre a leitura e os livros, quando afirmo que para ler o que é bom uma condição é não ler o que é ruim. Mas não os esqueçais de que um livro é apenas a impressão do pensamento de um autor. A leitura sempre impõe ao espírito pensamentos que lhe são alheios, por isso não subordinais vossos próprios pensamentos à leitura. Estou longe de querer dizer com isto que não se deve ler, mas sim que não se deve simplesmente ler. É preciso conquistar e incorporar ao espírito o que é lido, fazendo a leitura um encontro harmonioso das ocasiões externas e internas. Não esqueçais, portanto, de dedicar um tempo ao cultivo de seus próprios caminhos e à vivência da leitura a partir dos seus próprios olhos.
Com estes conselhos em mente, finalmente não temais a vossa ingenuidade em assuntos, pois ela reflete vossa autenticidade, espontaneidade e vosso esforço em pensar de forma clara e concisa.
de vosso Schopenhauer.

Um encontro literalmente literário

Já está se tornando uma tradição no grupo a realização de produções escritas para os encontros do mês de dezembro. No ano passado tínhamos de escrever para um autor, lido ou não pelo grupo e alguns de nós publicaram aqui no blog. Em 2010 tínhamos a tarefa de imaginar um encontro do grupo com participação ou de personagens ou de autores de obras lidas até aqui. Foi um prazer dificultoso escolher quem incluir no texto, mas o resultado o vão avaliar os leitores. Espero que gostem.


É o último encontro do ano. O grupo chega ao final de 2010 com uma bagagem razoável de leituras e com projetos para o ano que vai começar. Saio de casa curioso pela revelação dos nomes do amigo oculto, mas o voo rasante de uma ave agourenta prenuncia que este encontro terá algo diferente.

Carta a alguns jovens leitores


Prezados Senhores,
 
       Foi com surpreendente alegria e em meio a dias de esquecimento que soube de uma pequena reunião de leitores que dedicara algum tempo a minha despretensiosa obra. E, curiosamente, começando por minhas cartas, trocadas ao longo de uns poucos anos com o Sr. Kappus – um bom rapaz, afligido simultaneamente pelas tolices da juventude e pelas profundezas de uma sincera reflexão. Inspirou-me por muitas vezes com suas dúvidas e com sua atitude sincera frente àquilo que muitos ditos poetas já esqueceram ou quiçá souberam – o verdadeiro valor da poesia em vidas tão breves como as nossas.



     

sábado, 12 de dezembro de 2009

Carta a Boris Vian

Quando me foi proposto escrever esta missiva a um autor que fosse da minha predilecção, pensei quase de imediato em Bóris Vian, destinatário de pleno direito destas minhas palavras. No lugar do Trompetista de Jazz, do Engenheiro Mecânico, falo ao Escritor, aquele que desdobra a realidade na sua forma mais comum e visível.
Sempre mantive um grande carinho, devo confessar-lhe, pelos livros que me foram e são dados a ler e que leio no seguimento de algo que me seduz. È, portanto neste contexto, que me debruço pela primeira vez sobre o seu livro a “ Espuma dos Dias”. Ao primeiro contacto não pude deixar de ser tocada pelo ténue sabor a fel que empalidecia algumas das suas páginas mas rápido me entreguei a este fel e a esta leitura como quem vê abrir-se e aproximar-se uma pequena janelinha no seu, já enfadado, espaço. Objectos, como são exemplo o piano-coktail cuja constituição obedece a um sistema que consiste na atribuição de uma determinada bebida consoante um determinado som, a casa habitada por um casal enamorado e os seus movimentos em nada aleatórios, a presença de animais com a capacidade do discurso á semelhança de uma fábula, são parte de um enredo em si tentador.
Julgo que (e sem querer estar a cair em erro) disse acerca desta sua história e obra que tudo o que dela consta existe de facto, pois existiu para si. Assim, enquanto leitora pois, em nenhum momento me foi permitido tomar partido algum, devido ao teor das emoções expressas no desenrolar desta história, creio que a minha Alma ficou ainda mais cativada. Tal foi a forma em que tudo, também para mim, fazia um terrível sentido.
Apesar, de já haver dito anteriormente, que na única qualidade de leitora não pude (por assim dizer) tomar o partido de determinado ponto de vista desta ou aquela personagem gostaria de realçar tal facto, como principal característica de todas as suas obras assinadas em nome de Bóris Vian e não em nome de Vernon Sullivan. Pois, que no que diz respeito ao último pseudónimo, está presente um grande realismo, na medida em que procura representar toda a podridão existente na dita realidade.
Com isto, quero dizer, que alguém ao se entregar e seguir as suas palavras poderá ( estranha ou naturalmente ) vivenciar diversas emoções vacilantes e duvidosas. Agora, no momento em que lhe escrevo, recordo-me da primeira vez que me vi observadora de a “ Feira dos Velhos” (excerto de “O Arranca Corações”). Assim, após lidas as primeiras linhas , confessei a um amigo próximo a minha tola incapacidade de avançar na leitura e abandonar de uma forma total a dita observação. Julgo eu, que tal coisa não o surpreenderá a si mas a verdade dessa letargia reside exactamente nessa dubiedade emocional que me tomou de um trago, não me deixando indiferente.
Que faria eu, ( aproveito para o questionar ) perante homens aparvalhados cujos corpos eram frios objectos nas mãos da crueldade de crianças, apenas um puro reflexo da tamanha insanidade dos adultos… Rir-me-ia ? Debater-me-ia? Sem, qualquer pudor, antecipo a resposta (visto o tempo que me distancia de tais páginas); Rir-me-ia.
Sim, Rir-me-ia. Rir-me-ia mas sempre na qualidade de uma mera observadora que caminhava distraída por aquelas bandas. Sem tomar (ou pedir) partido algum. Tal qual uma observadora do ridículo, do ridículo dos Homens. O que são, o que foram, o que desejam ser e não são, o que gostariam de ser. Enfim, ri-me de mim…de nós.
Confesso-lhe, não ter desdenhado o outro lado da moeda. Ceder ás lágrimas tomou, também, de assalto o meu pensamento, contudo sorrir pareceu-me ser de maior sensatez e certa cautela.
Não sei se para si, que carrega nos próprios punhos tamanhas agitações, existe esta ambiguidade neste termos ou se até mesmo, poderá ser tomado como um objectivo.
Porém, estes são os reflexos de todo o sarcasmo contido nas palavras lidas e tidas.



Com cumprimentos,
Guadalupe Vieira.


Post- Scriptum: Perdoe-me qualquer sentimentalismo o que fazer, quando a própria França mo inspira?

Meu encontro inesperado com Yukio Mishima


Um título escolhido ao acaso numa prateleira me forneceu o destinatário da carta que precisava escrever para a dinâmica do grupo no mês de dezembro/2009. O resultado está abaixo, espero que gostem:

Juiz de Fora, 08 de dezembro de 2009
Sr. Mishima.

Estava eu às voltas com escrever uma carta a um autor de minha preferência para uma dinâmica de grupo. Podia ser qualquer autor. Veja bem, qualquer autor e não um autor qualquer. E com certeza o senhor é um grande autor!

Pensei em várias possibilidades, pensei até em usar a máscara de algum personagem e, por trás dela, escrever para um autor. Mas, com as correrias do final de ano, acabei não investindo seriamente na escrita dessa carta. Pode ser que a essa altura o senhor esteja se perguntando: “e o que eu tenho a ver com isso tudo?”.

Até uns dias atrás, posso assegurar, o senhor não tinha absolutamente nada que ver com a história... Confesso que ignorava a existência de suas obras. Quer dizer, não propriamente ignorava. Já tinha começado a ler Neve de Primavera, primeiro volume de uma tetralogia. Comecei a ler e não terminei. Não; não pense que o livro era ruim. Eu é que fui um mau leitor. Além disso, a grande extensão da obra, e a consciência de que eu não teria acesso aos quatro volumes ao mesmo tempo me desanimou para a tarefa. Hoje vejo como eu fui tolo por furtar-me à leitura de um autor capaz de dizer coisas assim:

“De repente, o longo gemido da sirene de um navio entrou pela janela aberta e inundou o quarto em penumbra – o grito de uma dor sem limites, sombria, exigente; escuro como breu e glabro como o dorso de uma baleia, sobrecarregado de todas as paixões das marés, da memória de viagens fora de conta, de alegrias e humilhações: o mar estava gritando. Impregnada do brilho e da loucura da noite, a sirene trovejava, transmitindo ao pequeno quarto desde o mar largo e distante, desde o centro morto do mar, uma sede do néctar escuro.”

Mas, como ia dizendo, até então eu não havia pensado em eleger o senhor como destinatário dessa minha carta. E isso até o dia em que topei com O marinheiro que perdeu as graças do mar, de onde retirei a citação acima, na prateleira da biblioteca. Foi a primeira vez em muitos meses que consegui ler um livro inteiro em apenas dois dias. Foi uma leitura rápida, envolvente, emocionante. Sem dúvida essa minha total absorção pela obra foi devida à beleza de seu estilo. À sutileza e singeleza de suas imagens e descrições. Fiquei profundamente encantado com a maneira sábia e sóbria como o senhor conduz os personagens do pré-clímax ao clímax, e vice-versa, dando à narrativa uma movimentação que jamais culmina numa cena afirmativa. Parece que o livro foi escrito sob o signo da negação e os poucos personagens se esbatem nas redes dos desenganos e ilusões humanos.

E, no entanto, como é forte, como é densa essa narrativa. E como no final estamos predispostos a aceitar tranquilamente que a glória é mesmo amarga, que Tsukazaki é mesmo um “traidor”. Ou será que ele é um traído? Traído pelo próprio desejo de glória que sempre lhe norteou a vida?

Contrariando, porém, essa meia-luz que domina a obra, a vida do senhor foi de uma intensidade invejável e de uma coerência e coragem poucas vezes vista. Afinal, poucos têm, hoje em dia, um caráter suficientemente forte e resoluto para se submeter ao seppuku. Acho que além de amarga, a glória pode acabar sendo dolorosamente atroz. E no fim das contas sempre perdemos as graças, sejam elas do mar, do céu, da divindade, dos nossos semelhantes e até de nós mesmos.

Considerações sobre a carta endereçada à “menininha”

Juiz de Fora, 11 de dezembro de 2009.

Estimado Saint-Exupéry,

sei que não é gentil de minha parte incomodá-lo com perguntas e declarações a respeito de uma carta endereçada a uma desconhecida. Mas suas palavras conduziram-me a um estado interior que lhe é familiar: ele também não é o da primavera. Refiro-me especialmente à sua declaração de que não há e nunca haverá Pequeno Príncipe. Como pode o Pequeno Príncipe está morto? Ou, o que é o mesmo, “torna-se muito cético”? Acaso esqueceu-se de seu último aviso: “Eu parecerei estar morto e isso não será verdade...” A questão é que a viagem de volta para sua casa era longa e o seu corpo, muito pesado. Da mesma forma, seria um equívoco afirmar que a roseira perdeu sua importância para o Pequeno Príncipe desde que ele se feriu nela. Ora, acreditar nisto é negar que ele não compreendeu o significado da palavra cativar, o que não é verdade. Nós, homens, facilmente nos esquecemos de que somos “eternamente responsáveis” pelo que cativamos; este pode ser o caso da sua “menininha invisível”, que nem sequer lhe retornou o telefonema, mas não se esqueça de que de devemos ser tolerantes com as pessoas grandes. Até entendo a tristeza e a amargura do Pequeno Príncipe nesta carta. Ele aterrissou — talvez não pela primeira vez — em um planeta efêmero, onde os habitantes, na vã tentativa de ganhar mais tempo, perdem o tempo que deveria ser dedicado ao conhecimento do Outro. Um planeta em que impera a solitude. Contudo, não podemos esquecer que haverá outras viagens e outros planetas — o Pequeno Príncipe é um sujeito curioso. Há sempre a possibilidade de se deparar com Outros que conseguem ver o carneiro dentro da caixa ou o elefante dentro da jiboia. Há sempre aqueles que guardam em si um pouco da criança que já foram.

Sua leitora,
eternamente pequena.