sábado, 18 de dezembro de 2010

Um encontro inusitado


Decerto que aquela, era a experiência mais surreal pela qual eu tinha passado, mas o fato é que o grupo de leituras Palimpsestos recebia a visita de um ilustre escritor, que se candidatava ao posto de membro efetivo do grupo. E, naquela tarde fria de primavera em Juiz de Fora, reunidos na casa de Fabrício, todos os membros do grupo discutiam antes da chegada do candidato, como se daria esse processo. 
- Como é de conhecimento geral, o citado escritor precisa passar pelo estágio probatório! bradava Leonardo.
- Mas mesmo que o escritor em questão seja esse do qual estamos falando? eu retrucava.
- Não me importo, que seja até o Papa, mas as regras são claras e estão no Regimento Interno. Por falar nisso, você já leu o Regimento? Porque as regras ali servem para ser aplicadas! dizia Leonardo. 
Enquanto eu e Leonardo discutíamos acerca da natureza e da necessidade da entrevista, Fabrício, Ailton, Diego e Paulo davam suas opiniões e todos tentavam chegar a um acordo sobre a melhor forma de entrevistar o famoso escritor. Mas eram Cíntia e Monalisa que lembravam do inusitado da situação. 


Cinco minutos depois, a campainha toca e chega o tão aguardado momento. Chegava e ocupava com sua presença ninguém mais, ninguém menos que Tchécov, que em uma grande reviravolta do fluxo temporal entre passado e presente, renascia de uma morte ocorrida em 15 de julho de 1904 em Badenweiler na Alemanha, e estava ali, “vivinho da silva” na nossa frente. 

Com seu impecável terno preto de risca de giz, cabelos cuidadosamente ajeitados e barba espessa, aquela figura misteriosa ainda ostentava um pince-nez, acessório que lhe dava um certo ar de intelectualidade.
- Boa tarde! Cumprimentou-nos o famoso escritor.
Nós, estupefatos, ainda tentávamos conter a emoção e coordenar as atividades da tarde, que já se transformava em noite.
Cíntia, dando início aos trabalhos, apresentou todos os presentes e convidou o escritor a se acomodar em uma poltrona antiga e confortável que havia na sala.
- Sr. Tchécov, como é de nosso costume, iremos sabatiná-lo para que possamos avaliar seu interesse e se o seu perfil se adequa ao grupo Palimpsestos. Cada um fará perguntas com relação à literatura e também a sua obra, que foi eleita como objeto de estudo do grupo nos meses de setembro e outubro.
- Sim, minha querida, estou à disposição de vocês, podem perguntar o que quiserem, acredito estar minimamente preparado para ser inquirido por tão ilustres interlocutores, respondia ele.
Cíntia foi a primeira a romper a barreira do silêncio e lançar uma questão que a inquietara durante o estudo da obra tchecoviana:
– Lendo suas obras, percebe-se que seus personagens não assumem posturas fechadas e também não tomam partido de nenhuma causa. Por que isso acontece?
- “Eu acredito que não cabe ao escritor a solução de problemas como Deus ou o pessimismo; seu trabalho consiste em registrar quem, em que circunstâncias, disse ou pensou sobre Deus e o pessimismo”, refletia o autor.
- Aproveitando o ensejo, emendava Leonardo, sua postura religiosa, política ou social influem na sua atividade literária?
- “Meu caro, entre "Deus existe" e "Deus não existe" estende-se um campo muito vasto, que um autêntico sábio atravessa com grande esforço. Por isso, penso que a originalidade de um autor depende menos do seu estilo do que da sua maneira de pensar”. Dessa forma, é claro que minha visão de mundo atravessa tudo que escrevo, mas prefiro não optar por finais conclusivos e sim deixar a obra em aberto, para que meu leitor interprete-a a seu bel prazer.
- O novato Paulo, em sua ânsia por contribuir para a entrevista, explicava que a originalidade do autor em relação aos demais russos, parte do aspecto que de Tchécov trabalha a realidade humana baseando-se não em descrições focais, mas retratando aspectos psicológicos dos personagens que pintam estados de alma.
- Sim, sim, retrucava Tchécov. Essas descrições podem ser vistas nos personagens Treplév e Nina, da peça A Gaivota; em Andrei Efimich do conto Enfermaria n.06; em Riabóvitch no conto O Beijo e em Ana Sierguieivna, de A Dama do Cachorrinho.
 - Parabéns pelas observações meu caro, somente o olhar do outro é capaz de dizer com palavras precisas um pouco de nós, dizia ele, enquanto essas observações faziam Paulo ficar ruborizado.
Na reta final do encontro, já ao anoitecer, Ailton recorria a Rilke quando perguntava a Tchécov se ele morreria se não lhe fosse permitido escrever, ao que ele prontamente opinava:
- A cada palavra que escrevo morro um pouco, meus pensamentos são limitados pelas palavras que devem dizer um pouco do que observo e capto ao meu redor.
Fabrício queria saber do famoso autor que dica ele daria para o jovem que hoje pretende escrever:
- Que não tenham medo de parecer palermas; antes de tudo é preciso ter o espírito livre; só quem não teme escrever palermices tem o espírito livre, explicava o autor.
Monalisa acrescentava, por sua vez, que nunca vira um autor escrever tão bem da experiência da infância, como em O Monge Negro. – Não é inferiorizada e não fica devendo nada à experiência do adulto, dizia ela. Agora quem ruborizava era o próprio Tchécov, que enxergava em Monalisa traços da atriz Olga Knipper, seu único amor.
Percebendo isso, Diego inquiria: - O que pensa do amor?   
E, o mestre respondia: - Aquilo que provamos quando estamos apaixonados talvez seja o nosso estado normal. O amor mostra ao homem como é que ele deveria ser sempre.

2 comentários:

Carolina Lima disse...

Espero que o Léo não fique bravo!

Ailton Augusto disse...

Eu acho que ele vai gostar. Afinal, ele o Fabrício foram campeões em citações nos textos dos colegas e isso quer dizer que, de alguma maneira, eles marcaram os outros membros do grupo.

Abraços, Carolina!