Marcelo Manhães, autor de literatura infanto-juvenil, acredita que é mais difícil escrever pra crianças do que para adultos. Isso porque em sua opinião, a criança percebe quando há algo forçado, sendo necessário “entrar” no universo infantil. Fio condutor de suas obras, a ecologia é tema recorrente presente nos livros “O Jequitibá”, “O Peixe”, “Ladrão de Nuvens”, “Tartaruga Verde da Cara Rosada” e “O Urso Polar”. Além de escrever, Manhães também ilustra suas histórias, que possibilitam a conscientização em relação à preservação do meio ambiente, sem deixar de lado a fantasia, a imaginação e o inusitado. O blog Palimpsestos entrevistou esse juizforano para saber mais do seu fazer literário.
Palimpsestos: Na biografia publicada em seu site, você destaca como parte importante de sua formação o fato de ter desfrutado de uma infância no interior, com brincadeiras ao ar livre. Como você vê a “extinção”, hoje em dia, desse tipo de brincadeira, seja por causa dos avanços tecnológicos, seja por causa da violência e outros problemas urbanos que levam os pais a não permitir que seus filhos brinquem na rua?
Marcelo: Creio ser esta uma visão parcial e urbana, se considerarmos que grande parcela da população brasileira é composta por habitantes da zona rural e agreste. Há alguns anos, vi em uma matéria de TV crianças do sertão nordestino que, por falta de brinquedos (carrinhos e bonecos) e também em função da extrema pobreza, brincavam com ossinhos de galinha, imaginando-os vaquinhas, porcos e pessoas. Sem querer omitir o grave problema social que impera em muito no nosso país, há naquelas crianças a capacidade criativa. Não é diferente em tantas áreas rurais, onde a internet ou tem pouco ou nenhum acesso. Essa visão de que há a extinção desse tipo de brincadeira é também, a meu ver, um tanto elitista, visto que nas periferias urbanas e nas favelas, o que se vê em muito é o soltar pipa, o escorregar de monte de terra em papelão, etc. Há de se notar que esse argumento de que não se deixa crianças nas ruas a brincar por causa de violência ou porque só se interessam por games eletrônicos é meio falacioso. O que ocorre de fato é o acomodamento dos pais, que preferem passar o tempo vago diante da TV ao invés de levar os filhos aos parques, ou ainda a deseducação e falta de limites para a criança que acaba entrando no universo viciador do computador.
Palimpsestos: Também nessa biografia lemos que você “cresceu sem perder o hábito de ler e ilustrar além de manter vivo dentro de si o espírito de criança.” Como esse seu “hábito de ler e ilustrar” se converteu em um impulso de escrita? Conte também como é seu processo de criação.
Marcelo: Ler e ilustrar nos conduz a outro universo, o da fantasia. A leitura permite-nos moldar a capacidade criativa. Creio que todas as pessoas são criativas. O que falta talvez seja o saber estruturar e condensar tudo isso em ideias e pô-las em prática. Quando você está capacitado a fazer tal coisa, basta aguardar a inspiração, pois, ao contrário do que muitos autores, inclusive os teóricos dizem, creio sim na inspiração, divina, ou o que quiser chamar. É na inspiração que está calcado o meu trabalho. Se não há inspiração, não escrevo. Por isso, passo às vezes, meses sem escrever uma linha. Como exemplo, “O Jequitibá”, meu primeiro livro, surgiu ao acordar na madrugada, com a estória toda na cabeça, inclusive os desenhos. O segundo “O Peixe”, não foi diferente. Assistia ao telejornal quando me veio a estória toda e contei imediatamente para a minha esposa, que adorou. O terceiro, “O Ladrão de Nuvens”, surgiu quando o meu filho menor veio para a minha cama numa noite de tempestade. Contei uma estória que inventei ali, na hora, sem pensar. Quando terminei, meu filho havia gostado bastante e enfim, transportei-a para as linhas. Não foi diferente com os meus dois últimos lançamentos, “Tartaruga Verde da Cara Rosada”, livro apoiado pelo Projeto TAMAR e Petrobrás, com o último contemplado pela Lei de Incentivo Murilo Mendes, “O Urso Popular”, assim como tantos outros que estão engavetados, por enquanto, à espera de publicação. Se pudesse delegar algo ao meu esforço pessoal, talvez seria o de procurar uma linguagem adequada as crianças, escrever livro infantil para crianças, não para os adultos.
Palimpsestos: Por que literatura infantil e juvenil? Como Monteiro Lobato, você começou a escrever pensando nos seus filhos ou a paternidade não tem relação com a sua opção por este gênero literário?
Marcelo: Comecei a escrever sim pensando em meus filhos, mas em todas as crianças de um modo geral. Tenho alguns projetos para adultos, mas não é minha prioridade.
Palimpsestos: Por falar em Lobato, duas perguntas: que tipo de influência ele (ou outro autor de literatura infantil e juvenil) exerce sobre a sua obra? Que autores você lê e apresenta aos seus filhos?
Marcelo: Nenhuma influência a não ser pelo gosto da leitura e fantasia. Acredito que as crianças de hoje em dia estão mais “antenadas” e envolvidas com o plano real. Creio que o interesse maior, é de fato por coisas de seus cotidianos e contextualizadas ao universo delas, sem contudo, perder o essencial que é a fantasia, o imaginário e até o inusitado. É diferente do meu tempo, quando lia Julio Verne, Mark Twain, Lobato e outros. Hoje em dia, deixo os meus filhos o decidirem o que ler, é a melhor forma de motivar à leitura, já que existe muita coisa boa.
Palimpsestos: Ainda em comparação com outros escritores: Clarice Lispector disse em uma entrevista à TV Cultura que, para ela, comunicar-se com crianças era mais fácil por causa de seu instinto maternal e que comunicar-se com adultos era difícil porque era comunicar-se com o mais secreto dela mesma. Você comunga esse ponto de vista? Já tentou escrever para adultos?
Marcelo: De fato é uma particularidade dela. Vejo exatamente ao contrário. Não fosse o processo de criação através da inspiração, digo por mim que estaria “enrolado”. Escrever para crianças é preciso entrar no universo delas, muitas vezes, pensar como elas, agir como elas. A criança percebe quando há algo de forçado, seja na literatura que muitas vezes lhe impingem pela goela abaixo, ou qualquer outra coisa. Há muita literatura por ai que dizem ser para crianças e que não o são. Já vi livros infantis premiados que agradam bastante ao público adulto e uma criança quando acaba de lê-lo, quando consegue terminá-lo, diz: é legal! Mas aquele legal aguado. Os adultos são mais fáceis. Basta uma linguagem mais rebuscada, para impressionar, assim como Brás Cubas, um assunto inusitado e cheio de filosofia, como Quincas Borba, e temos aí uma boa receita para enganar. Os adultos são facilmente ludibriados. Por incrível que possa parecer, as crianças não.
Palimpsestos: O tema do meio ambiente é uma constante em suas obras e você mesmo o destaca como parte de seu projeto literário, que enxerga a literatura como instância de formação do sujeito. Por que este tema? Existe alguma razão especial para que ele possua papel central em sua produção e que esteja além do mero discurso “catastrofista” de ONGs e grupos de defesa do meio ambiente?
Marcelo: Disse que o meu processo criativo passa principalmente pela inspiração, não foi? Pois bem. Não vivemos um tempo repleto de preocupações a respeito da não preservação ambiental e suas consequências? É claro que antes da inspiração há a preocupação com o tema, inicialmente, muito pelo fato de que mundo meus filhos irão herdar. Não sou ateu, mas, tenho amigos que o são. A maior razão para a existência humana para os ateus é a preservação da própria existência humana. Lógico que estamos falando dos ateus conscientes. No entanto, existe, e aí concordo com você, a grande fatia da sociedade, muitas vezes dogmática, muito mais preocupada com seu próprio umbigo do que com a preservação da existência humana, e pasme, das suas sucessivas gerações.
Palimpsestos: Não sabemos exatamente a que você se dedica profissionalmente, mas, você acredita na literatura como uma profissão?
Marcelo: Graças a Deus, há cinco anos vivo exclusivamente da literatura. Seria um contra censo desacreditar na literatura enquanto profissão.
Palimpsestos: No último mês de outubro, suas obras foram expostas na Biblioteca Municipal Murilo Mendes dentro do projeto Juiz de Fora com todas as letras. Talvez não seja a melhor palavra, mas, como você lida com o “sucesso”?
Marcelo: Primeiro é preciso entender o conceito de sucesso. Creio que nenhum escritor desfruta de sucesso como aquele dos artistas de TV e cinema ao serem abordados na rua. No meio literário conhece-se mais a obra que o autor. Mas vez por outra, quando ando pelas ruas, em Juiz de Fora ou até mesmo no Rio, vejo uma criança me olhar detidamente e logo imagino que já nos esbarramos em alguma escola por aí. De qualquer forma, o melhor reconhecimento é quando vejo colégios conceituados da nossa cidade e de tantas outras, sistematicamente adotarem meus livros, ano após ano. Melhor ainda é quando entro em alguma sala de aula em que os alunos já trabalharam outros de meus títulos em anos anteriores, e eles recontam as estórias, sem perder detalhes, ou quando me inquirem a respeito de novos lançamentos. Isso não é muito bom?
Palimpsestos: Fazendo uma ponte entre as duas perguntas anteriores: o reconhecimento do seu trabalho através dessa exposição, de convites para visitar escolas e da adoção de seus livros como material paradidático lhe motiva a encarar profissionalmente a escritura?
Marcelo: Não tenha dúvida. A maior motivação não é o dinheiro. Não me faço de rogado, preciso dele para viver. Mas o que mais nos impulsiona a continuar é de fato o reconhecimento do trabalho, menos pelo reconhecimento de pais, professores e coordenadores, mais pelo carinho e interesse das crianças.
Site do autor: http://www.mmanhaes.com/
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