sábado, 12 de dezembro de 2009

Carta a Boris Vian

Quando me foi proposto escrever esta missiva a um autor que fosse da minha predilecção, pensei quase de imediato em Bóris Vian, destinatário de pleno direito destas minhas palavras. No lugar do Trompetista de Jazz, do Engenheiro Mecânico, falo ao Escritor, aquele que desdobra a realidade na sua forma mais comum e visível.
Sempre mantive um grande carinho, devo confessar-lhe, pelos livros que me foram e são dados a ler e que leio no seguimento de algo que me seduz. È, portanto neste contexto, que me debruço pela primeira vez sobre o seu livro a “ Espuma dos Dias”. Ao primeiro contacto não pude deixar de ser tocada pelo ténue sabor a fel que empalidecia algumas das suas páginas mas rápido me entreguei a este fel e a esta leitura como quem vê abrir-se e aproximar-se uma pequena janelinha no seu, já enfadado, espaço. Objectos, como são exemplo o piano-coktail cuja constituição obedece a um sistema que consiste na atribuição de uma determinada bebida consoante um determinado som, a casa habitada por um casal enamorado e os seus movimentos em nada aleatórios, a presença de animais com a capacidade do discurso á semelhança de uma fábula, são parte de um enredo em si tentador.
Julgo que (e sem querer estar a cair em erro) disse acerca desta sua história e obra que tudo o que dela consta existe de facto, pois existiu para si. Assim, enquanto leitora pois, em nenhum momento me foi permitido tomar partido algum, devido ao teor das emoções expressas no desenrolar desta história, creio que a minha Alma ficou ainda mais cativada. Tal foi a forma em que tudo, também para mim, fazia um terrível sentido.
Apesar, de já haver dito anteriormente, que na única qualidade de leitora não pude (por assim dizer) tomar o partido de determinado ponto de vista desta ou aquela personagem gostaria de realçar tal facto, como principal característica de todas as suas obras assinadas em nome de Bóris Vian e não em nome de Vernon Sullivan. Pois, que no que diz respeito ao último pseudónimo, está presente um grande realismo, na medida em que procura representar toda a podridão existente na dita realidade.
Com isto, quero dizer, que alguém ao se entregar e seguir as suas palavras poderá ( estranha ou naturalmente ) vivenciar diversas emoções vacilantes e duvidosas. Agora, no momento em que lhe escrevo, recordo-me da primeira vez que me vi observadora de a “ Feira dos Velhos” (excerto de “O Arranca Corações”). Assim, após lidas as primeiras linhas , confessei a um amigo próximo a minha tola incapacidade de avançar na leitura e abandonar de uma forma total a dita observação. Julgo eu, que tal coisa não o surpreenderá a si mas a verdade dessa letargia reside exactamente nessa dubiedade emocional que me tomou de um trago, não me deixando indiferente.
Que faria eu, ( aproveito para o questionar ) perante homens aparvalhados cujos corpos eram frios objectos nas mãos da crueldade de crianças, apenas um puro reflexo da tamanha insanidade dos adultos… Rir-me-ia ? Debater-me-ia? Sem, qualquer pudor, antecipo a resposta (visto o tempo que me distancia de tais páginas); Rir-me-ia.
Sim, Rir-me-ia. Rir-me-ia mas sempre na qualidade de uma mera observadora que caminhava distraída por aquelas bandas. Sem tomar (ou pedir) partido algum. Tal qual uma observadora do ridículo, do ridículo dos Homens. O que são, o que foram, o que desejam ser e não são, o que gostariam de ser. Enfim, ri-me de mim…de nós.
Confesso-lhe, não ter desdenhado o outro lado da moeda. Ceder ás lágrimas tomou, também, de assalto o meu pensamento, contudo sorrir pareceu-me ser de maior sensatez e certa cautela.
Não sei se para si, que carrega nos próprios punhos tamanhas agitações, existe esta ambiguidade neste termos ou se até mesmo, poderá ser tomado como um objectivo.
Porém, estes são os reflexos de todo o sarcasmo contido nas palavras lidas e tidas.



Com cumprimentos,
Guadalupe Vieira.


Post- Scriptum: Perdoe-me qualquer sentimentalismo o que fazer, quando a própria França mo inspira?

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