Creio que há mesmo uma curiosa tradição na longa (e tensa) relação entre os idiomas e cultura portuguesa e espanhola embora "unificadas" na Ibérica que, naturalmente, não iria se ausentar no âmbito das traduções e, nisto, claro, chegando ao "Dom Quixote" de Miguel de Cervantes.
E não me surpreenderia que justamente pela proximidade de ambas, lingüística-cultural porque geograficamente, ocorresse certo risco na fidelidade e qualidade nas traduções das obras destas. Quer seja pelos falsos cognatos que, particularmente, iludem mutuamente as partes numa suposta compreensão de termos, conceitos e palavras além de expressões, cujo resultado mais conhecido é o "portunhol" e o "espanguês" que ocorre da Península Ibérica à América, como "recurso" mais paliativo precário do que uma alternativa eficaz. Se por um lado, o hispânico, ocorre uma melhor coesão e conhecimento de seus leitores e letras (apesar dos problemas de acesso a alfabetização, boas escolas e recursos para o conhecimento geral da história e cultura à parte as próprias totêmicas originárias que foram em larga medida destruídas) do que do outro lado, na chamada América portuguesa, onde a impressa chegou só no século XIX (entre outras coisas) com a vinda (ou fuga) da Corte. Contudo, entre elas, cabe reforçar o bem conhecido "abismo" de desconhecimento de uma à outra, dividindo tão somente o espaço geográfico sem transposições culturais de vulto que a aproximassem e, menos ainda, unissem quanto uma só e mesma América. Isto claro, apesar dos sonhos visionários de Bolívar entre outros.
E se toda unificação só ocorre quando, politicamente, é reconhecida e efetivamente confirmada pelas estruturas de uma sociedade como suas instituições e manifestações diversas, não menos relevante é o papel da tradição que se expressa pela língua que se fala e a cultura escrita em que vive, como prática e instrução no exercício e dinâmica da vida cotidiana.
Neste sentido vale pensar e refletir afinal qual é o papel e a importância das obras consagradas, clássicas, na formação de uma "identidade nacional" ou cultural, como também na transposição de toda e qualquer fronteira, superando o rançoso etnocentrismo e fonte de muitos males através dos tempos.
Inclusive as fronteiras do real e ficcional, superadas pelo Quixote que assim une o mundo inteiro à parte suas diferenças lingüísticas e culturais, em ideais e sonhos, entre dilemas e problemas do qual resposta ou solução, nem sempre é traduzível numa definitiva palavra em qualquer idioma.
E é essa alteridade dialogal do Quixote que fascina e desafia os tradutores e, nós leitores.
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