quarta-feira, 3 de novembro de 2010

ENTREVISTA: Poesia é Gagueira da Alma

  Hernany Tafuri é um dos novos escritores que desponta no cenário juizforano. Autor dos livros “Vertigens do Tempo” (2008) e “(Quebrando) Objetos inúteis” (2010), sua produção literária transita pela poesia, com forte inspiração em Carlos Drummond de Andrade. Por esse motivo, o poeta se diz gago, pois transforma a palavra alheia em sua. Essa é também a explicação para o título do seu blog Ga-gueira da alma (http://gagueiradaalma.blogspot.com/), espaço onde publica seus textos. Sofre influências ainda de outros poetas como Ferreira Gullar, além de Paulo Leminski e Arnaldo Antunes, levando-o a se arriscar pelo estilo hai kai, que lhe dá a possibilidade de dizer tudo num mínimo espaço. Para conhecer mais de sua trajetória, influências e o significado da poesia em sua vida, confira a entrevista que o blog Palimpsestos fez com o poeta. 

Palimpsestos: Hernany, acompanhando sua trajetória, nota-se que você escreve essencialmente poesias e inclusive publicou dois livros – “Vertigens do Tempo” e “(Quebrando) Objetos inúteis” – nos quais reúne parte de sua produção poética. Por que a opção por esse gênero literário? Como surgiu seu interesse pela escrita?
Hernany: Estou convencido de um fato em minha vida: sou muito preguiçoso para escrever em prosa! Junto a dois amigos, Alexandre Vieira e Carolina Fellet, lançarei um livro de contos acho que em meados de novembro próximo. Inclusive o Ailton (membro do grupo Palimpsestos) foi quem escreveu a apresentação! Quanto a meu começo, tentava compor músicas, fazia aulas para aprender a tocar violão. Mas, como não sou lá tão disciplinado, escrevi três letras, não aprendi a tocar mais que alguns poucos acordes e minhas músicas viraram poemas.  

Palimpsestos: Por que “Vertigens do Tempo” e por que “(Quebrando) Objetos inúteis”? Qual seria o princípio, o motivo que o levou a intitular assim seus dois livros? Existe alguma relação entre os títulos das obras e sua gênese, sua estruturação? Ou, como em algumas anedotas literárias, você colocou esses títulos porque não tinha outros?
Hernany: O primeiro porque reuni alguns poemas de maneira aleatória, sem muita ligação entre eles a não ser pelo tamanho, para que coubessem numa página de livro de bolso! Foi feito totalmente na empolgação e deu certo, graças a Deus! Achava que poesia era só inspiração, arroubo de criatividade, uma vertigem que assaltava o poeta a qualquer tempo. Talvez um pouco menos cru, pensei no Quebrando como um livro mais consistente, com uma temática a percorrer seus poemas, os coloquei em ordem alfabética e tal, o que, na verdade, é um objeto inútil, haja vista que muitos lêem poesia sem seguir a ordem do livro. Na verdade, muitas pessoas compraram o primeiro a título de “ajuda”, leram o título, meu nome e a dedicatória e o encostaram. Livro que não é lido torna-se um objeto inútil. Então, sugeria aos leitores que quebrassem a inutilidade do livro e o lessem. Já pensou: alguém escreve um livro, publica, vende e ninguém lê! Trabalho totalmente inutilizado!    
Palimpsestos: Quais são suas influências literárias, seus poetas prediletos? Carlos Drummond de Andrade tem uma importância grande para você? Pergunto por que em um de seus poemas você se auto-critica: “para de imitar o Carlos, Tafuri”.
Hernany: Claro que sim! Gosto do Paulo Leminski, do Ferreira Gullar, do Arnaldo Antunes. Na época em que estudava Drumonnd, me encantei com sua obra, viva, pulsante a nosso redor, e não resisti em reler o Carlos escrevendo sobre algum de seus versos. Inclusive surgiu a partir dessas imitações a ideia do meu blog (gagueiradaalma.blogspot.com). Quanto aos outros, Leminski e Antunes são fantasticamente simples! Carregam um universo inteiro num hai kai*! Gosto dessas tentativas, no meu caso, de dizer tudo num mínimo de espaço, trabalhar a palavra – matéria prima de poeta – subverter a ordem do cosmo. O Carlos tem uma obra sólida até os ossos, por isso me permito “brincar”, no bom sentido, com ela.    
Palimpsestos: Explique um pouco como é o seu processo criativo. De onde vem sua inspiração?
Hernany: Poemas de amor: todos para a minha noiva, Vanete Oliveira, meu amor, vêm do coração! Quanto aos outros textos, leitura sempre ajuda. De músicas alheias sempre surgem boas ideias. Mas acho que minha inspiração, depois de três livros, anda meio cíclica, temática. Conversando com amigos poetas, com minha noiva, as ideias se vão agrupando de forma a dar a luz ao poema mais ou menos formado.
Palimpsestos: Na obra “Cartas a um jovem poeta”, Rainer Maria Rilke aconselha ao jovem Kappus a se perguntar: “Morreria, se não me fosse permitido escrever?”. Como é sua relação com a escrita, ela é uma necessidade vital?
Hernany: Vital! Morrer é um exagero, pois o corpo não pode pagar pelas mazelas da mente, nem os outros, as pessoas que amo. Mas minha vida ficaria sem palavras se não as pudesse agrupar do meu jeito. Até confesso que tentei ser jogador de futebol antes de começar a escrever, mas acho que me dei melhor com as letras – mesmo que o violão até hoje não goste de mim! Sou apaixonado pelo ato de escrever!
Palimpsestos: Você publica nos blogs Ga-gueira da alma e Verdades Provisórias e também mantém um espaço no Recanto das Letras. Como você vê o papel da internet no campo da cultura? Você acredita que após o “boom” da internet, mudou algo na maneira de fazer literatura?
Hernany: Sim! A internet ajuda demais a difundir obras literárias, sejam clássicas disponíveis para serem “baixadas”, sejam novos autores procurando o tal do “meu espaço”. Fabrício Carpinejar, poeta jovem e consagrado, se vale, e muito, do universo da internet. Blogs hoje são como os mimeógrafos dos poetas malditos dos anos 70. Facilita a chegada dos novos autores à vista dos leitores. Até mesmo para se adequar à nova linguagem, deu-se uma modificada na forma de escrita, tamanho, formato, temática, gírias típicas. Existem livros nascidos de blogs etc. A interação entre leitor/autor cresceu vertiginosamente, a crítica é mais ágil.
Palimpsestos: Ainda sobre a internet, como essa ferramenta o auxilia na divulgação dos seus livros? Quais outros meios você utiliza para promover o seu trabalho?
Hernany: Boca a boca é o nº 1! Panfletos, impressões, murais! Mas envio emails aos amigos inimigos desconhecidos com textos indicações de leitura links. Sou um poeta cara de pau!
Palimpsestos: Hernany, sabendo-se funcionário público (o que é outro ponto de contato com Drummond), você encara a sua produção literária como profissão? Você acredita que é possível viver como escritor no Brasil, e, mais especificamente, em Juiz de Fora?
Hernany: Profissão como sinônimo de sustento, não! Não me imagino sustentando meus filhos com o dinheiro dos meus livros! Tenho orgulho de trabalhar na UFJF, sou servidor concursado há quase dois anos, curso Letras/Noturno nessa instituição para que me torne, futuramente, docente, mas não encaro minha produção como ganho financeiro, mesmo porque vendo meus livros a R$ 6,00 somente para poder publicar outro. Com o dinheiro que ganhei com as vendas do Vertigens, apoiado pela Lei Murilo Mendes, fiz, em edição do autor, o Quebrando. Quanto a viver de literatura no Brasil e, sobretudo, em Juiz de Fora, ainda acho muito complicado. A não ser que se escreva sobre vampiros teens. Imagina uns monstros desses devoradores de pão de queijo que ataquem desprotegidos no Parque Halfeld, sei lá, seria bacana se não fosse babaca!
Palimpsestos: Como você enxerga a poesia contemporânea brasileira? Percebe características comuns entre os trabalhos de outros jovens autores e suas próprias criações? Acha que é possível distinguir uma expressão predominante? Em caso afirmativo, como você situaria o seu trabalho em relação ela?
Hernany: Os temas universais como vida/morte/infância/poesia/sociedade ainda impregnam a poesia contemporânea, porém, acho que nós jovens, independentemente se poetas ou não, vivemos numa sociedade com valores pasteurizados: é tudo muito fast food – ou fast foda: conheceu, beijou, comeu, já era! Há sempre uma lacuna para ser preenchida, há falta na poesia; no livro “Meu filho, minha filha”, Fabrício Carpinejar constrói imagens belíssimas a partir da dúvida, da ausência de certeza impregnada em sua relação com seus filhos. Sua relação com a filha é mais intensa, mais carregada, por isso os poemas são “melhores”. Minha poesia invade bem este campo da ausência, pois as palavras, todas as possíveis que nossas letrinhas conseguem arquitetar, não dão conta de manifestar o que no peito pulsa. Lembra-se do “Eu tenho tanto pra lhe falar, mas com palavras não sei dizer, como é grande o meu amor por você”? Essa é a essência da poesia pós-moderna, contemporânea: “mas com palavras não sei dizer!” Meus amigos de Letras, companheiros no Projeto “Verdades Provisórias”, estão nessa onda; estou nessa onda e “imitar” o Carlos também é não saber dizer com minhas próprias palavras, é ser gago, transformar a palavra alheia em minha, partindo de algo que já existe. Gagos são entendidos, suas palavras têm o mesmo significado, são palavras ditas de forma distinta; poesia é gagueira da alma! Fazer com que palavras digam muito mais do que delas se espera, do que elas suportam em sua gênese. Poesia contemporânea, sem classificar em escola, é transbordar o signo linguístico; como sempre, aliás!  
Palimpsestos: Quais são suas metas enquanto escritor? Quais seus projetos futuros no campo literário?
Hernany: Espero, com as bênçãos de Deus, me tornar um poeta (re)conhecido, lido, publicado e publicável. Talvez até poder viver de poesia... Como projeto, manter os blogs, publicar o Verdades Provisórias junto dos amigos Adriano Dornelas, Ailton Augusto, Camila Fonseca, Edmon Neto, Gabriel Moreira, Jackson Leocádio, Peterson Basílio, Raul Furiatti e Rodrigo Tafuri, meu primo. Seria muito interessante uma publicação com dez visões poéticas, reunião de pessoas que estudam, convivem, num mesmo ambiente acadêmico ao mesmo tempo, com as mesmas pessoas, com objetivos próximos. Gostaria de escrever um romance, publicar mais poemas, essas loucuras de sempre.
*Forma poética de origem japonesa; em português os poemas têm três linhas, em paralelo.

Contatos com o autor: htpoeta@yahoo.com.br

Outros textos em: www.recantodasletras.com.br

9 comentários:

Hernany Tafuri disse...

Muito obrigado pelo espaço e pela oportunidade!
Abraços do Ht.

Unknown disse...

Gostei muito da entrevista.
As perguntas foram bem elaboradas e as respostas bastante inteligentes, a marca do poeta.
Parabéns ao escritor e ao blog.

Vanete

Ailton Augusto disse...

Obrigado Vanete pelo comentário e Hernany por haver concedido a entrevista. Abraços!

Carolina Lima disse...

Reforço as palavras de Ailton, agradecendo por ter concedido a entrevista!

Cíntia Marcellos disse...

Exceto pelo "flamenguismo" descarado, a entrevista ficou bacana. Boa sorte com as letras!

Joaquim disse...

José Saramago era gago.

Carolina Fellet disse...

Muito boas as perguntas e as respostas superinteligentes!!! Entrevista agradável demais.

Manoel Fonseca disse...

Parabéns Ailton (pelas perguntas) e parabéns Hernani (pelas respostas). Conhecemos as pessoas pelas perguntas... e pelas respostas.

Ailton Augusto disse...

Pode ser... mas nem tudo eu fiz sozinho, embora admita que sim ajudei a fazer algumas perguntas.

Obrigado por visitar o blog, Manoel.

Abraços!