O livro, A invenção de Morel, de Adolfo Bioy Casares, inevitavelmente nos remete à ideia de uma ilha como símbolo da utopia e das “loucuras humanas”. Concebidas como lugares paradisíacos, de mistério ou deleite, as ilhas suscitam paisagens privilegiadas onde se concentram não apenas forças latentes da natureza, como aquelas de um mundo onírico e primordial. Nas palavras de Chevalier & Gheerbrant, a ilha evoca refúgio, por isso mesmo ela rica surpresas e situações inusitadas e enigmáticas, daí ser um tema tão caro à literatura. Não é por menos que na obra de Casares o imaginário está repleto de imagens polissêmicas, como as que aludem à liberdade e à prisão do homem, bem como a uma condição que jamais será alcançada. Nesse sentido, torna-se oportuna a leitura de Morus, Moreau, Morel: A ilha como espaço da utopia, de Ana Cláudia M. L. Martins, que parte de uma idéia fabulosa, ao confrontar três construções utópicas associadas a ilhas: a de Thomas Morus, a de H. G. Wells e a de Adolfo Bioy Casares. Em cada um desses autores, com a devida reflexão e consideração com o contexto histórico-cultural de cada um, é a fabulação que permite evadir-se do real e aplicar, a este, uma alternativa que possa aplacar a humana busca do impossível através do “inútil”; numa ilha se pode ser tudo... Se na concepção de Thomas Morus a descrição de uma ilha é feita com base numa comparação com a Inglaterra do seu tempo, podendo-se perfeitamente entender a Utopia como uma anti-Inglaterra, onde a propriedade privada era ou seria a essência das mazelas humanas, a obra de H. G. Wells evidencia uma mudança no simbolismo da ilha, passando de um lugar utópico para um antiutópico. A ilha passa a ser como uma prisão, marcada pelo tom pessimista que atravessou a literatura da época, além de voltar-se novamente para uma crítica sobre a Inglaterra. Uma vez que sua ideologia imperialista, no século XIX, remete às bestas humanas como uma representação dos povos dominados pelos ingleses nas colônias, a crítica de alugns escritores ingleses é contundente contra o Imperialismo Britânico e a desintegração dos valores do mundo moderno, como também o fez Joseph Conrad, em Coração das Trevas. Por fim, persiste em A invenção de Morel a angústia com que Casares tratou o tema da tecnologia redentora (em tempos de guerra) e da literatura como máquina de infindáveis imagens sobre a contraditória condição humana. Com relação à obra de Ana Cláudia, embora a crítica não tenha considerado a sua tese apta a explorar com mais profundidade o universo do escritor argentino, o livro dessa pesquisadora, que é resultado de um doutoramento, aponta uma boa reflexão sobre o que continua perdurando em nosso horizonte existencial, político e cultural, e em nossa incansável busca de utopias. Ainda que passando pela criação de monstros, mas, quiçá, abrindo espaço para buscarmos o possível por fazer-se, nós somos convidados, a todo o momento, a continuar enfrentando os tantos monstros que ainda encontramos, inclusive, dentro de nós mesmos.
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Um comentário:
Excelente informações adicional junto com a postagem, assim como a feita no encontro de Morel, na ilha de Fabrício.
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