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Ao término da leitura das peças A Gaivota e Tio Vânia de Tchécov, a curiosidade moveu-me a entender um pouco mais sobre a contribuição e a relevância do autor, que é considerado um dos fundadores do teatro como o conhecemos hoje, ou seja, do Teatro Moderno. No final do século XIX, o cenário teatral russo passava por profundas modificações, com o surgimento de novos escritores como Anton Tchécov, que propunham uma nova literatura, de tendência realista, sendo uma reação ao elevado subjetivismo romântico. Autores dessa escola pregavam a observação crítica da realidade, porém, diferente do Naturalismo, não se colocavam como cientistas prontos a apontar as causas da corrupção dos costumes.
A dramartugia de Tchécov utiliza uma série de inovações que a tornam, ao mesmo tempo, épica e lírica. Épica pela falta de ação, que transforma os acontecimentos em eventos narrados, usando ainda recursos de repetição exaustiva de detalhes menores e da sequência de cenas aparentemente isoladas e sem maior significação para o todo, o que provoca uma ruptura com o convencional desenvolvimento da ação com início, meio e fim. O lirismo concentra-se no fato de que, suprimindo toda ação exterior, o autor transfere o drama dos personagens para seu mundo interior, pintando estados de alma. O aspecto lírico dos dramas tchechovianos se acentua mais ainda com a utilização de pausas, que diminuem o ritmo na peça, realçando os momentos mais dramáticos. O silêncio é utilizado como dado significativo, pleno de sentido e força. O tempo em suas peças caracteriza-se pela lentidão, que remete ao tédio da vida.
“A profundidade da alma das personagens não é descrita por meio de palavras, mas está por detrás dos diálogos, dos monólogos, dos pequenos detalhes revelados pela comunicação. Thécov, com essa medida deixa a obra em aberto, e as complementações são feitas pelas impressão do leitor ou espectador.”[1]
Os diálogos entre as personagens ou os monólogos deixam transparecer inumeráveis detalhes sobre suas vidas, nos remetendo mais uma vez a o tédio, sendo que nenhum dado é mais preciso para identificá-lo na vida cotidiana do que a falta de ação, de conflitos, o que remete a uma apatia sem limites.
A Gaivota
A Gaivota, de Tchécov, é uma peça de revolução. Foi encenada pela primeira vez em 17 de outubro de 1896, no teatro Alexandre, em São Petesburgo. A peça foi vaiada e o autor deixou o teatro em sobressalto, sem se despedir. Dois dias depois, quando foi encenada pela segunda vez, foi um sucesso. Ela rompe contra a concepção de Teatro em vigor na Rússia do final do século XIX, propondo uma revolução contra a apatia generalizada e contra aqueles que faziam o apanágio de uma vida pacata e tradicional na Rússia rural em oposição ao vício da cidade. A Gaivota é a metáfora dessa revolução, que nos apresenta a oposição entre Treplev, o escritor novo, incompreendido e original, e Trigorine, o escritor tradicional, que se movimenta nas correntes artísticas conhecidas e é reconhecido. A desgraça e o desfecho previsivelmente trágico do primeiro face à opulência aparentemente plena de qualidade literária do segundo são o mote para uma comédia de costumes, que é no fundo um drama.
O Tio Vânia
O Tio Vânia é uma das obras primas do escritor Anton Tchécov, um clássico da literatura russa datado de 1897 que tem como marca sua atualidade. Trata das relações entre os membros de uma família de origem rural e os que vivem na cidade. Os diferentes valores, as conquistas, os sonhos e as propostas de vida são cenário de uma grande reflexão sobre o respeito às diferenças individuais. Tchécov nos remete ao exercício da convivência, à observação dos comportamentos sociais e ainda aborda questões importantes como a ecologia que, até hoje, preocupa autoridades mundiais.
Teatro de Arte de Moscou e sistema Stanislavski
O teatro na Rússia do final do século XIX vivia um amadorismo gritante. O trabalho com os atores era precário. Apesar de, nas escolas oficiais, os professores e responsáveis pela orientação dos novos atores terem consciência da necessidade de uma profunda compreensão do texto e de análise metódica dos personagens para uma representação satisfatória, não existia um método eficiente de ensino das técnicas de atuação. Muitas vezes os professores eram atores de talento, mas seu método consistia em reproduzir, de maneira fragmentada, alguns macetes e artifícios que eles mesmos haviam desenvolvido nos palcos.
Como reação a esse estado das coisas, Constantin Stanislavski funda em 1897 o Teatro de Arte de Moscou, que adotou uma gaivota como símbolo em 1898, depois que a peça de Tchécov que leva o nome da ave se tornou sua primeira grande realização. O diretor cria o “sistema Stanislavski” um método de interpretação especialmente para a representação das obras de Tchécov, no qual pedia que os atores usassem suas memórias pessoais na criação de seu personagem. Ao ser composta coletivamente, com exercícios de improvisação dos atores, solicitava a bagagem emocional de cada um deles. Os atores se revezavam entre os papéis, experimentando a complexidade de todos os tipos imaginados pelo autor russo. "Nenhum dos personagens de Tchécov é uma coisa só. O autor não os fecha em características redutoras. Dá a eles um tratamento complexo, humano. Além disso, usa diferentes linguagens, passa do drama para a comédia, dela para o patético e assim por diante, o que é próprio da contemporaneidade."
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