Como já disse noutras postagens, tenho um amigo que resolveu mudar-se para o Pará e de lá envia-me sempre notícias e dicas que, cada vez mais, revelam a riqueza da região. Como um típico mineiro perdido naquelas terras, ele está agora impressionado com a festa do Círio de Nazaré, que acontece anualmente no segundo domingo de outubro (neste ano, hoje, dia 09!). A festa religiosa de devoção à Nossa Senhora de Nazaré tem origem nas tradições portuguesas e só no Brasil ocorre há mais de 300 anos, exercendo uma presença enorme na vida das pessoas e na cultura paraense. Segundo o relato deste amigo: "Tá tudo diferente. A cidade respira Círio. As ruas estão cheias de gente, de bicicleta, de carro, de balão, de fogos de artifício, de caminhantes, de gente e mais gente. É muito legal. Estou realmente emocionado de estar aqui. São onze Círios durante a semana. Coisa de louco. Planejo ver a saída do Círio fluvial amanhã de manhã, ver a chegada do mesmo Círio amanhã à noite, e assistir a missa e acompanhar o grande Círio de uma igreja a outra. Este último Cíntia, sem exagero, em nada deve às demonstrações de fé do cristianismo primitivo. Além da famosa corda,vc assiste pessoas acompanhando de joelho por kms debaixo de sol...". Diante de tamanha força cultural, não seria a literatura que sairia ilesa dessa influência. Procurando um pouco, descobri um dos grandes escritores da literatura de expressão amazônica da atualidade, Antônio Juraci Siqueira. Nascido em 1948, no Pará, é licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Pará (1983) e integrante de várias entidades lítero-culturais, além de atuar como professor de filosofia, oficineiro de literatura, performista e contador de histórias. Sua obra inclui mais de 80 títulos, entre composições trovadorescas, literatura de cordel, livros de poesias, contos, crônicas, literatura infantil e histórias humorísticas. Representando um dos temas presentes em sua obra, o lirismo-religioso, está o poema "Incenso e Mirra", inspirado na maior procissão católica do mundo que acontece hoje, em Belém.
"Eis-me aqui, Senhora, bubuiando
- igarité de anseios e pecados –
nas águas desse rio de reza e riso
a correr para o mar do Teu amor.
Mas como ver-Te santa na Berlinda
se vejo-Te, Senhora, naufragada
entre rostos sofridos, pés descalços,
mãos que sangram na Corda, entre marias
envoltas em mortalhas carregando
promessas e sofrências sob os véus...
...e eu aqui, Senhora, enclausurado
em meu sudário feito de ilusões...
Pequeno mururé vagando a esmo
num rio secular de incenso e mirra."
(SIQUEIRA, 2000: p. 10)
Para conhecer mais Antônio Juraci Siqueira e sua obra, confira o http://blogdobotojuraci.blogspot.com/ e o artigo de Marcel Franco da Silva no site Portal Literal.
3 comentários:
Fiquei curiosa a respeito dessa festa, ah como seria bom se pudessemos fazer tudo a qualquer hora! Estaria lá agora...
Grande abraço.
Cara Cíntia (e para quem lê este comentário). Falo daqui do Pará, hoje, segunda-feira, primeiro dia após o Círio de Nazaré. Como a Cintia já antecipou, enquanto mineiro estou surpreso e emocionado pela riqueza do norte brasileiro e, em especial, agora, pela festa dedicada à virgem de Nazaré. Eu que acompanhei o Círio de uma igreja a outra (é aquela procissão que esse ano reuniu 2,2 milhões de pessoas e que é chamada sem exageros de "pororoca humana") tenho a lhes dizer que nenhum descrição se encaixa no fatus religiosus que presenciei. É muito grandioso e bonito, mas ao mesmo tempo caboclo e forte. É santo, e é carne, é quieto, e é quente. É o povo levantando as mãos para uma imagem de 50 cm com um manto pequenino de bordados periquitos verdes pousando em vinhas. É sofreguidão e felicidade no rosto de cada um presente, calmaria e turbilhão em Belém do Pará. Aconselho a todos a programarem uma semana de suas vidas a conhecerem o Círio de Nazaré. Podem ficar na minha casa se quiserem. Esqueci! Depois do Círio tem a tradicional ceia na casa dos paraenses que, também sem exagero, é considerado o Natal deles aqui: as pessoas convidam umas as outras, preparam um banquete com maniçoba e pato no tucupi (indispensáveis) além de outras guloseimas locais que, believe me, só existem aqui, e comem e conversam e confraternizam entre si. Até lá prometo ter aprendido cozinhar tudo isto. Beijos e um grande abraço for all!!!
Querido Pitt, obrigada por sua descrição da festa. Só mesmo assim para termos uma idéia aproximada do que se passa aí, nesse fenômeno que mostra um pouquinho mais a múltipla constituição desse país. E pode ter certeza que vou cobrar a maniçoba e o pato no tucupi!!
Abraços,
Cíntia
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