sábado, 3 de março de 2012

"A Morte em Veneza", de Thomas Mann

Consoante à obra A Morte em Veneza, Thomas Mann decide fazer uma viagem à Itália com a esposa e o irmão, em março de 1911 e se instalam em Brioni, uma ilha na costa da Ístria. Todavia, o ambiente demasiado formal no hotel repleto de aristocratas não agrada aos viajantes e, assim, a 26 de Maio, decidem deslocar-se para o Lido perto de Veneza e se hospedam no Hôtel des Bains. E é aí que, de acordo com as palavras do próprio autor "uma série de circunstâncias curiosas e impressões aliadas à busca subsconsciente de algo novo que originasse uma ideia produtiva, conduziram ao desenvolvimento da história de A Morte em Veneza". A princípio, T. Mann imaginou uma história mais convencional e baseada no amor do velho Goethe pela jovem de 17 anos Ulrike von Levetzow, evoluindo depois para um enredo mais ousado, conforme os valores vigentes na época. Ao que consta, cada pormenor do livro traduziu fatos reais, desde os encontros no barco, até aos rumores da cólera. E o mais importante: Tadzio teve um modelo original, o conde Wladyslav Moes que, anos mais tarde confirmaria a exatidão com que Mann descrevera a sua mãe, irmãs e o amigo que regularmente o acompanhavam, recordando ainda que ambos estiveram conscientes de um homem que os observava atentamente. E foi Katia, a esposa de Mann, quem disse que o marido tinha se sentido bastante intrigado durante a estada em Veneza com um rapaz polaco de cerca de dez anos de idade. O modelo físico da outra personagem central da obra, Aschenbach, teria sido o compositor Gustav Mahler, de cuja morte haviam tomado conhecimento em Brioni e por quem Mann nutria sincera admiração.
Sobre a obra, duas questões cruciais se destacam: trata-se A Morte em Veneza de uma canção dionísiaca ou de uma fábula ética? E, em que plano é permitido pensar o amor de Aschenbach por Tadzio?
A primeira questão se relaciona com o fato de esta ser ou não uma obra neoclássica; o elemento apolíneo é detectável, no entanto, quando Aschenbach produz um ensaio na praia usando Tadzio como musa inspiradora, nota-se uma contradição, pois uma ocasião decadente dá origem a um manifesto neoclássico. Considerando-se ainda a permanente oscilação entre o apolíneo e o dionísiaco, pode-se reforçar a ideia de que o neoclassicismo da obra é apenas parcial. No que concerne à segunda questão, atentando num trecho do Fedro de Platão: "A paixão é a nossa sublimação e o nosso desejo será sempre o amor – é esta a nossa vontade e a nossa vergonha", conclui-se que o amor é visto como algo que se deseja mas que dificilmente se atinge e o artista não pode ser digno enquanto seguir o caminho errado, permanecendo um aventureiro dos sentimentos. Thomas Mann afirmou: "nós escritores não podemos ultrapassar o Eu, apenas o podemos desperdiçar em vergonha", ou seja, a vergonha de Aschenbach será a entrega incondicional aos sentidos e, consequentemente, ao não alcance da verdadeira essência do amor. O fim da obra coincide com a morte de Aschenbach que "segue o jovem até ao mistério prometedor", expressão enigmática de uma possível perfeição, ainda por vir...

sexta-feira, 2 de março de 2012

Thomas Mann (1875-1955)


Nascido em 1875, Thomas Mann foi o segundo filho do casal Johann Heinrich Mann e Julia da Silva Bruhns. Sua mãe, como talvez se note pelo nome, era brasileira de ascendência germânica e havia se mudado para a Alemanha com sete anos de idade. 

Seu pai era industrial e senador de certa nomeada e veio a falecer quando o futuro escritor estava com 15 anos de idade. Por essa época sua mãe se desloca para Munique, ao sul do país, onde fixa residência com os filhos mais novos. Ao terminar seus estudos, Thomas Mann começa a trabalhar no escritório de uma firma de seguros desta cidade, passando em seguida para a carreira de jornalista. Como preparação para exercer esta profissão, ele inicia uma série de leituras sobre história, economia, história da arte e literatura, além de frequentar algumas aulas na universidade e no colégio politécnico. Em seguida, viaja para a Itália, onde vive aproximadamente um ano junto de seu irmão Heinrich, mais velho que ele quatro anos.

Sua primeira obra, a coleção de histórias curtas Der kleine Herr Friedemann, veio à luz em 1898. Três anos mais tarde, ele publica a novela Buddenbrooks, que obteve bastante êxito junto aos leitores alemães e que será citada pela Academia Sueca como um dos motivos pelos quais se atribuiu o Prêmio Nobel ao autor.

Casa-se em 1905 com a filha de Alfred Pringsheim, professor da cátedra de Matemática na Universidade de Munique. Ela descendia, por parte de mãe, do afamado jornalista berlinense Ernst e Dohm Hedwig, cuja esposa havia desempenhado um papel importante no processo de emancipação da mulher. O matrimônio lhe deu seis filhos.

Uma de suas mais conhecidas novelas, Der Tod in Venedig [A morte em Veneza, que será lida pelo Palimpsestos neste mês de março] foi publicada em 1913. Junto de Tonio Kroger, publicada originalmente em volume de 1903, essa novela é considerada como exemplar da arte de Thomas Mann neste gênero.

Tendo interrompido seu trabalho em função da Primeira Guerra Mundial, só mais à frente irá dedicar-se à composição daquela que é tida como sua obra máxima: Der Zauberberg [A montanha mágica], publicada em 1924 em dois volumes. Foi laureado com o Prêmio Nobel em 1929.

Em 1933, Thomas Mann muda-se para a Suíça, exilando-se em função da ascensão dos nazistas ao poder, visto que estes promoveram uma forte campanha contra ele. A expatriação formal ocorre em 1936 e já no ano seguinte a Universidade de Bonn priva o escritor do título de doutor honoris causa que lhe havia sido dado, o qual só foi restituído em 1946. Em função desses problemas e da Segunda Guerra Mundial, que eclode em 1939, o escritor passa a viver nos Estados Unidos, de onde se muda em 1953, passando a viver em Zurique (Suiça), local em que vem a falecer dois anos depois.

O autor recebeu ainda outros prêmios literários, como o Goethe Prizes of Weimar (da Alemanha Oriental) e o Prêmio Frankfurt (Alemanha Ocidental), ambos conferidos em 1949. De sua extensa bibliografia, outros títulos que merecem menção são:  Mario und der Zauberer: Ein tragisches Reiseerlebnis (1930), Lotte in Weimar (1939), Joseph und seine Brüder (1933-43) [uma versão de uma história do Antigo Testamento] e Doktor Faustus: Das Leben des deutschen Tonsetzers Adrian Leverkühn, erzählt von einem Freunde (1947)